domingo, 17 de abril de 2011

METADE DE UM COURO DE BOI

Sou aquele filho ingrato
Usei de tantos maltratos
Todos conhecem a história
Meu pai era gente tão boa
Mas por imposição da patroa
Mandei o coitado embora

Sem rumo o coitadinho
Pegou um longo caminho
Para bem longe se foi
Sem provisões para a viagem
A sua simples bagagem
A “metade de um couro de boi”.

Passados alguns momentos
Terrível arrependimento
Apoderou-se de mim
Quase beirando a loucura
Saí a sua procura
Por esse mundo sem fim

Andei léguas noite e dia
Em todo lugar que eu ia
Ninguém dava informação
O povo tão orgulhoso
Ainda mais para um idoso
Ninguém dava atenção

Depois de andar bastante
Uma força interessante
Que não sei como explicar
Por todo lugar que eu ia
Essa força me impelia
Levando-me a um lugar

Naquele lugar deserto
Sem vizinhos ali por perto
Numa “tapera” em ruína
Foi onde ele residiu
Onde o coitado cumpriu
O resto da triste sina

Eu fiquei desesperado
Quase morro alucinado
Tanta surpresa que foi
Ao avistar com espanto
Enrolado ali num canto
O velho couro de boi

0 paletó ensangüentado
Encontrei engarranchado
Em meio aquela ramagem
compreendi que o coitado
Na certa foi devorado
Por algum bicho selvagem

Para confirmar a verdade
Achei sua identidade
Caído ali no relento
Seu retrato me fitava
Parece que me acusava
Daquele acontecimento.

Voltei para casa chorando
Aquele couro levando
Junto com a fotografia
Do querido papaizinho
Que num gesto tão mesquinho
Desprezei naquele dia

Eu não sei se foi castigo
O que aconteceu comigo
O meu lar desmoronou
Perdi minhas economias
Foi grande a desarmonia
A esposa me abandonou

Não sei como aconteceu isso
Não valeu o sacrifício
Só o meu filho ficou
Seu sofrimento é tamanho
Não pergunta pela mãe
Mas não esquece o vovô

Com muita dor no coração
Eu não tenho condição
De contar-lhe a verdade
É cruel a situação
Eu não mereço perdão
Por tamanha crueldade

Amemos a pessoa idosa
Mesmo que a sua prosa
Não tenha nenhuma atração
Coisas que mais o aborrece
Acabrunha e entristece
São o descaso e a solidão

Não maltratemos os velhinhos
Tão sedentos de carinhos
Principalmente os pais
Para que o arrependimento
Venha então num momento
Muitas vezes tarde demais

O idoso é gente vivida
As coisas boas da vida
O tempo leva e não traz
Eu perdi esse tesouro
As duas metades do couro
Não emendam nunca mais.


Orizona, maio de 2003

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